1. O Batismo do Senhor encerra o sagrado Tempo do Natal. É importante recordar que, na liturgia da Igreja, este Tempo não é simplesmente a comemoração litúrgica do nascimento de Jesus, mas é, sobretudo, a celebração memorial da manifestação do Senhor na nossa natureza humana. Eis o mistério que a Igreja celebra nas cinco festas (Natal, Sagrada Família, Santa Maria Mãe de Deus, Epifania, Batismo do Senhor): o Filho eterno do eterno Pai, Deus perfeito e verdadeiro, fez-se homem e assumiu nossa carne mortal, num verdadeiro corpo e numa verdadeira alma humana. Assim, Deus manifestou-se na nossa humanidade para curá-la do pecado e elevá-la à vida divina. Deus, agora, pode ser visto, tocado e apreendido humanamente: com o humano, atraiu e salvou o humano, dando-nos a sua vida divina! É o admirável comércio de que tanto falavam os Santos Padres e a santa Liturgia: "Quando Cristo se manifestou em nossa carne mortal, vós nos recriastes na luz eterna de sua divindade" (Prefácio da Epifania); "Por ele, realiza-se hoje o maravilhoso encontro que nos dá vida nova em plenitude. No memento em que vosso Filho assume nossa fraqueza, a natureza humana recebe uma incomparável dignidade: ao tornar-se ele um de nós, nós nos tornamos eternos" (Prefácio do Natal III); "Deus eterno e todo-poderoso, pela vinda do vosso Filho, vos manifestastes em nova luz. Assim como ele quis participar da nossa humanidade, nascendo da Virgem, dai-nos participar de sua vida no Reino" (Coleta do sábado antes da Epifania); "Deus eterno e todo-poderoso, pelo vosso Filho nos fizestes nova criatura para vós. Dai-nos, pela vossa graça, participar da divindade daquele que uniu a vós a nossa humanidade" (Coleta do sábado após a Epifania). A Festa do Batismo do Senhor é a última dessas cinco festas da Manifestação do Salvador: hoje, às margens do Jordão, o Pai manifesta publicamente Jesus a Israel para o início do seu ministério público. A obra de salvação iniciada com a Encarnação e o seu santo Nascimento, agora se manifesta numa nova etapa: a sua vida pública, na qual tornar-se-á patente aquilo que o Salvador veio realizar.
2. Jesus dirige-se ao Jordão para ser batizado por João. Era um batismo ministrado a quem se reconhecia pecador e desejava entrar num caminho de penitência e conversão para receber o Messias prometido e esperado. É impressionante: o Santo e Justo, o Filho inocente e bendito, entra, humilde, na fila dos pecadores! São as palavras do profeta Isaías que se vão cumprindo: "Eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si, as nossas dores ele carregava. Mas nós o tínhamos como vítima do castigo, ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi trespassado por causa das nossas transgressões, esmagado em virtude das nossas iniquidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz, caiu sobre ele, sim, por suas feridas fomos curados. Todos nós como ovelhas, andávamos errantes, seguindo cada um o seu próprio caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós (Is 53,4-6). Ele, sem pecado, faz-se um com a humanidade pecadora para redimi-la de seus pecados. Aparece aqui, de modo claro, o quanto o Senhor vem tomar sobre si os pecados do mundo. Assim, o Senhor será batizado pelo Servo, o Deus santo feito homem será batizado por uma simples criatura! Ante a reação de João, que não queria batizá-lo, Jesus dá uma resposta impressionante: é necessário que se cumpra a justiça, isto é, o plano do Pai. E o plano do Pai é que o Filho assuma a condição de Servo e se identifique, sem pecado, com a humanidade pecadora. O Filho faz-se obediente ao desígnio do seu Deus e Pai...
3. Ao ser batizado, os céus se abrem! Desde a Encarnação os céus se abriram para nós: o Filho eterno veio a este mundo, Deus habitou entre nós, e onde Deus habita aí está o céu. Por isso, na Noite santa do Natal, os anjos foram vistos na terra e os homens cantaram os cânticos dos céus: "Glória a Deus nas alturas!" O que isto significa? Que em Cristo, com a sua bendita Manifestação, começa ser destruído o abismo que nos separava de Deus e nos fechava o céu. Agora, no Batismo do Senhor, pela obediência humilde de Jesus, os céus se abrem e revelam o segredo mais íntimo do Deus santo de Israel: o Pai unge o Filho feito homem com o seu Espírito de Amor. Aparece, assim, a própria riqueza trinitária do único Deus: o Pai, Aquele que unge; o Filho, o Messias-Ungido; o Espírito Santo, a própria Unção! Assim, Jesus é, agora, a pleno direito, o Ungido, o Messias, o Cristo prometido a Israel.
4. Esta unção de Jesus é salvífica, é para nossa salvação. O Espírito aparece na forma corporal de pomba para evocar o final do Dilúvio. Naquela ocasião, Deus purificara o mundo do pecado, lavando-o com a água. Dali saiu uma nova humanidade. E Noé, quando as águas baixaram, soltou uma pomba, que retornou à arca trazendo no bico um ramo de oliveira, da qual se faz o óleo da unção. Aquela pomba que paira sobre Jesus evoca esse óleo, que o símbolo do Espírito. Jesus nosso Senhor é o princípio de uma nova humanidade, que por ele será redimida e sai das águas - prefigurando aqui as águas do Batismo, águas que são símbolo do Espírito Santo. Ao sair das águas e ser ungido, nosso Salvador e Cabeça já prefigura em si aquilo que todos nós, membros do seu Corpo, experimentaremos: sairemos das águas do santo Batismo, renovados pelo seu Espírito Santo, membros de uma nova humanidade, recriada pela Páscoa do Salvador.
5. Neste sentido, a Festa do Batismo de Jesus tem também um aspecto pascal: Jesus que sai das águas ungido pelo Espírito do Pai, já prefigura seu mergulho nas águas da morte e sua saída na Ressurreição, graças ao Pai, que derramou sobre ele o Espírito Santo, Espírito que o Senhor ressuscitado derramou sobre nós!
6. Ao ungir seu Filho com o Espírito o Pai o apresenta a Israel: "Este é o meu Filho amado, no qual
coloco todo o meu Bemquerer". O bemquerer, o amor do Pai é o Espírito Santo. Mas, observe: esta frase foi tirada do primeiro dos quatro cânticos do Servo Sofredor, que começa assim: "Eis o meu Servo que eu sustenho, o meu Eleito, em quem tenho prazer. Pus sobre ele o meu Espírito" (Is 42,1). Aqui o Pai revela que Jesus, o Ungido, o Messias ("pus sobre ele o meu Espírito", isto é, ungi-o, fi-lo Messias), é seu Filho. Note que, ao invés de "servo" o Pai diz: é o meu "Filho", o Filho Amado, no qual o Pai coloca todo o seu Amor, todo o seu Espírito Santo de Amor. E, no entanto, esse Filho amado vai realizar sua missão como Servo, Servo sofredor, pois o Pai usa a frase do primeiro dos quatro cânticos do Servo. É como se aqui o Pai apresentasse ao próprio Filho o itinerário que ele deve percorrer, o modo como ele deve desempenhar sua missão: a de um Messias manso, pobre, obediente, humilde, que enfrentará o fracasso, o abandono e a morte! Aqui se manifesta de modo claro e misterioso o destino que o Senhor Jesus vai abraçar por obediência ao Pai: ele se fez obediente até a morte e morte de cruz!
São estes alguns dos aspectos do Mistério que a Igreja hoje celebra. Se unirmos tudo isto às outras festas do Tempo do Natal, teremos diante dos olhos e do coração a impressionante riqueza deste Tempo litúrgico. A esta Manifestação, a Igreja sempre uniu o primeiro milagre de Jesus em Caná, no qual ele transforma a água da purificação dos judeus, própria da Antiga Aliança, no vinho novo, símbolo do Espírito da Nova Aliança. Assim, ele manifestou a sua glória e seus discípulos creram nele. Somente com todo este mistério diante dos olhos podemos compreender, saborear e admirar aquela estupenda antífona da nossa Liturgia latina nas Laudes de Domingo passado, Epifania do Senhor: "Hoje, a Igreja se uniu ao seu celeste Esposo, porque Cristo lavou no Jordão o pecado; para as núpcias reais correm os Magos com presentes; e os convivas se alegram com a água feita vinho. Aleluia". Misturam-se aqui, deliciosamente, os vários aspectos da Manifestação do Senhor: (a) a Manifestação aos Magos, representantes de todos os povos da terra, atraídos pela luz da estrela do Menino, que veio para ser luz para iluminar todas as nações e glória de Israel; (b) a Manifestação do Senhor como Messias de Israel, no seu batismo, às margens do Jordão, quando o Pai o unge com o Espírito Santo e o apresenta: "Este é o meu Filho amado!" O batismo de Jesus recorda primeiramente sua paixão: ele mergulha e se ergue da água, como mergulhará na morte e erguer-se-á na ressurreição, pleno do Espírito Santo. Seu batismo é fundamento e primícias do nosso batismo; seu batismo é, então, primícias e figura da redenção do pecado que o Santo Messias trouxe a toda a humanidade; (c) a Manifestação da glória de Cristo nas núpcias de Caná da Galiléia. As núpcias simbolizam aquelas do Cordeiro com a humanidade, desposada por Cristo na sua Igreja ao assumir nossa natureza humana: Cristo é o Esposo e a Mulher, símbolo da Igreja nova humanidade e nova Sião, é a Virgem Maria. O vinho novo e bom é símbolo do Espírito, lei da Nova Aliança, que substitui a água da Antiga Aliança judaica. Por isso o evangelho termina esta narrativa afirmando que "Jesus manifestou a sua glória e seus discípulos creram nele".
No seu batismo, o Senhor,
princípio da nova humanidade,
purifica as águas para o nosso Batismo
e destrói o poder diabólico
princípio da nova humanidade,
purifica as águas para o nosso Batismo
e destrói o poder diabólico
(note o demônio no fundo do rio, com aspecto de um velho).
Fonte: http://costa_hs.blog.uol.com.br (Blog de Dom Henrique)
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